Entre o deslumbramento e o desespero: Grand Canyon, a trilha que quase me matou
- Alessandra Martins

- 26 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de ago.
Decidi encarar uma trilha de 30 km no Grand Canyon em apenas um dia. Quase não voltei. A recente morte da jovem Juliana Marins me fez reviver esse dia com outro olhar, o da consciência e do respeito, não só à montanha, mas a natureza como um todo.

Na última quarta-feira, dia 24 de junho, acordamos com a triste notícia de que a jovem viajante Juliana Marins, que estava desaparecida há quatro dias, morreu durante a trilha no Monte Rinjani, na Indonésia. Poderia ter sido qualquer um de nós que gosta de viajar, fazer trilhas, se aventurar pelo mundo. Eu nunca estive na Indonésia, mas já passei por diversos outros lugares dignos de filme e, inclusive, experimentei muitas aventuras, como saltar de paraquedas, voar de asa-delta, experimentar rafting e remo de canoa no rio Delaware e mergulhar em alto-mar na Florida mesmo sem saber nadar.
Confesso que pular no alto-mar sem saber nadar foi um desvario da minha parte, uma mistura de coragem com impulsividade, pois na primeira vez eu até que tinha um colete salva-vidas e uma bóia espaguete, já na segunda vez, eu pulei apenas com a bóia espaguete em um passeio de barco em Búzios - Foi uma atitude inconsequente, pois eu quase me afoguei, mas hoje entendo que a coragem precisa andar junto com a preparação e o respeito aos próprios limites. Ademais, depois que me tornei mãe, penso e repenso mais cuidadosamente antes de agir.
Em 2022, por exemplo, ainda não tinha minha filha, fiz uma trilha no Grand Canyon, Arizona, foi lindo, mas também foi uma das experiências mais intensas e perigosas que já vivi. E a morte de Juliana me trouxe um flashback imediato, porque poderia ter sido eu devido ao meu histórico leviano em alguns momentos, eu também senti a morte se aproximar quando decidi me aventurar naquela trilha do Arizona montanha abaixo. Sou grata a Deus por não ter sido minha hora de deixar esse mundo, mas a experiência ficou como aprendizado.
Lembro de uma placa recomendando que aquela trilha deveria ser feita em três dias. Mesmo assim, na minha ingenuidade (ou talvez imprudência), me arrisquei a fazer tudo em apenas um dia.
Sempre fui uma pessoa muito ativa. (Deve ser meu TDAH ainda não diagnosticado), Já morei na Irlanda e na Holanda, e em ambos os países eu andava de bicicleta todos os dias. No Brasil, fiz muitas trilhas, treinava, e até fiz CrossFit por um tempo. Andava de longboard e, às vezes, até me arriscava uns esportes radicais como citei anteriormente. Antes de sair do Brasil, há oito anos, fiz um check-up médico e, graças a Deus, estava tudo ótimo, pensei que eu estava preparada para descer a desafiadora trilha do Grand Canyon.
Quando cheguei ao Grand Canyon, fui de carro até o topo e fiquei hospedada em um chalé. No segundo dia, decidi encarar a trilha até o fundo, porque não me sentia satisfeita em ver aquelas montanhas deslumbrantes apenas do alto. A vontade de me desafiar e meu entusiasmo por adrenalina me atraíam como um ímã atrai o metal. Para ser sincera, subestimei os avisos, subestimei a trilha e subestimei também a grandiosidade das montanhas e as variações de temperatura. Equivocadamente, superestimei meu condicionamento físico, com base nas minhas experiências esporádicas, achei que a trilha seria tranquila. Estava completamente enganada, pois esse tipo de atividade exige, além de boa forma, exige preparo e responsabilidade. Assim sendo, coloquei minha vida em risco.
Na descida, me sentia ótima , caminhava como uma gazela, leve, confiante, rápida.
Fotografando cada detalhe, mas na volta tudo começou a mudar, a exaustão começou a tomar conta de mim. Precisei parar várias vezes. Ouvia meu coração bater como se tivesse um estetoscópio nos ouvidos, uma hora sentia frio, outra hora calor, minha respiração era curta e mal conseguia andar.
Meu marido, mais experiente em trilhas de nível difícil, me acompanhava e me incentivava a continuar. Começamos pela Bright Angel Trailhead, passamos por Phantom Ranch, River Trail, Pima Point, Skeleton Point e Cedar Ridge, subindo pela South Kaibab Trail. No total, foram 19 milhas (aproximadamente 30 km) em um único dia.
A paisagem era espetacular, uma sensação diferente e maravilhosa em muitos momentos, porém, eu não recomendo o que fiz, pois estar ali era um mix de plenitude com desespero. Meu único foco passou a ser o próximo passo. Olhar pra cima me desanimava, três montanhas gigantes ainda nos aguardavam. Comecei a andar com passos de formiguinha, tomando goles de água e mordendo pedacinhos de chocolate e barrinhas de cereal pelo caminho. Achei que fosse morrer.
Se eu desistisse de subir, hoje poderia não estar aqui compartilhando esta experiência, pois as temperaturas nessas montanhas oscilam entre extremos ao cair da noite.
Por fim, conseguimos finalizar. Começamos a trilha às 8h da manhã e terminamos às 17h30. Me senti exausta, aliviada, orgulhosa e profundamente tocada. Porque naquele dia eu entendi verdadeiramente, na prática, o que significa respeitar a na , e respeitar meus próprios limites.
Se não fosse pelo apoio constante do meu marido, talvez eu nem tivesse terminado. Ele esteve o tempo todo ao meu lado naquele momento.
Hoje, mais do que nunca, eu entendo: nenhuma paisagem vale a nossa vida. A beleza da natureza não deve nos cegar , deve nos lembrar de quão pequenos e vulneráveis somos diante dela. Que a história da Juliana não seja apenas mais uma tragédia esquecida, mas um alerta para todos nós, pois viver vale mais do que se desafiar. Espero que ela esteja em um lugar melhor e que Deus conforte o coração dos familiares.
Texto e fotos por Alessandra Martins






























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